Andreia Schorn: Posso tomar um café antes?

Desde o começo de 2022 na escola eu tenho me feito essa pergunta ou interpelado com ela a pessoa que vem até o meu encontro para me pedir uma solução para algo urgente que está acontecendo na EMEF Sergio Lopes. As urgências nesse ano letivo de 2022 se tornaram uma constante e vão desde um estrago repentino no prédio precário da escola até um acolhimento para uma pessoa em um momento difícil.

Lembro que já na primeira reunião de diretores da RME fiquei incomodada com a Secretaria de Educação que de imediato nos pedia nesse ano tão desafiador para acreditarmos em nós mesmas e não desistirmos de nossos sonhos e do nosso poder de mudar o mundo. Ora, sabemos que clichês de autoajuda em nada vão transformar a realidade de anos de desigualdade e pouco investimento na educação pública. Nossos gestores sabem disso.  Me revolta falas perversas como essa porque coloca sobre os ombros de nós professores diretores a solução de desafios ainda mais complexos agora que a pandemia acabou (acabou mesmo?). E, por isso, de março para cá tenho tomado muitos cafés, eles descem, muitas vezes, frios pela minha garganta porque o líquido passa do ponto devido a correria que viraram nossas vidas dentro da escola.

Considerando que começamos o ano “cem por cento presencial”, “a escola tá on”, noticiado aos quatro ventos na cidade sem o quadro completo de professores. Tivemos o desagrado de na reunião inicial com pais e responsáveis saudar a comunidade escolar com a notícia de que não tínhamos como atender todos os nossos estudantes, algumas turmas não tinham professor, outras não tinham estagiários e em algumas situações tínhamos até os colegas que iriam trabalhar conosco em regime suplementar de trabalho, mas a mantenedora ainda não autorizava suas jornadas de trabalho.

Perguntas de pais que ligavam todos os dias para o ministério público exigindo o direito de os filhos terem aulas geraram denúncias que nos comprometiam a responder todas as semanas e-mails com prazos imperativos dando satisfação para a promotoria de porquê não estávamos dando aula ainda e de quantos estudantes estavam sendo dispensados das aulas. Como se uma coordenação pedagógica reduzida a duas pessoas pudesse dar conta desse caos. A esse desafio foram se somando outros e os cafés que eu tomava já não davam conta de me animar e estávamos a recém em março.

Estou falando de um pós-pandemia onde a própria pandemia do coronavírus não acabou. Sigo recebendo diariamente atestados médicos afastando colegas professores, funcionários e estudantes por covid e ou sintomas gripais e igualmente seguimos os substituindo em suas salas de referência. Tempo que sobra para desempenhar o trabalho de diretor e vice-diretor? Me dá um café porque isso tem nome, chama-se sobrecarga. Estamos carregando muito mais que nossas responsabilidades que não são poucas.

O quadro de professores completo somente há um mês, os atestados de saúde que se apresentam continuamente e a desigualdade social em nada colaboram para a recomposição de aprendizagem das crianças e estudantes. Nesse tempo ainda me faltaram palavras para acalmar colegas que estavam e estão trabalhando em regime suplementar de trabalho e ainda não receberam seus ordenados completamente.

Tirando isso, há uma epidemia silenciosa que está abalando a saúde mental das pessoas e nós profissionais da educação temos que lidar com problemas da sociedade que respingam na escola sem recursos humanos suficientes da psicologia, da orientação educacional, da assistência social. Como superar tantas dificuldades? Nas escutas de pessoas da comunidade escolar que sentem medo, pânico, ansiedade e depressão nós tentamos corajosamente salvar vidas, mas pouca coisa está realmente ao nosso alcance e isso nos entristece.

Tomo café ainda para me manter alerta com o financeiro da escola, os recursos que recebemos fazemos “dar cria” para tentar manter e oferecer um prédio seguro para todos e minimamente adquirir material escolar e pedagógico a fim de desenvolver um bom trabalho. Nossa comunidade é dedicada e engajada, fizemos mutirões e temos um projeto Amigos da Escola para darmos melhores condições de trabalho para professores, crianças e estudantes ensinarem e aprenderem. Só que isso incomoda porque queríamos um governo municipal que diz amar tanto a Educação, mais comprometido com suas escolas e profissionais, entendemos que isso é obrigação dos governos.

Vou tomando meus cafés para aguentar esse ritmo de trabalho tão urgente que os desafios da gestão escolar pós-pandemia nos impõem e amei buscar essa semana os chromebooks para os professores. No entanto, também queria ver o mesmo investimento da SMED em nos dar recursos humanos para a hora atividade dos professores, principalmente os da educação infantil. O mesmo também, senão, um melhor investimento na merenda escolar, porque o pós -pandemia empobreceu ainda mais as famílias e a maioria dos nossos estudantes contam com a refeição da escola para não sentir fome durante o dia e atualmente o financeiro da escola está sempre devendo merenda escolar, os alimentos e o gás de cozinha subiram muito e a verba não aumentou um real sequer.

Para terminar essa crônica peco tempo para tomar um último cafezinho no cair da tarde lembrando de uma reunião de coordenadores pedagógicos desse ano onde as colegas que foram voltaram nos contando que naquela reunião a SMED havia feito uma dinâmica evidenciando a reflexão de que nós não somos máquinas e nós não somos. Nas escolas máquinas e chromebooks não são importantes senão cuidarmos e valorizarmos as pessoas. Somos mulheres e homens professores que nos elegemos diretores e vice-diretores para vencer esses desafios e contribuir efetivamente com uma educação pública de qualidade, e haja café para levantar nossos corpos todos os dias a fim de sermos mesmo capazes de trilharmos com nossa comunidade escolar um caminho com mais igualdade, valorização, equidade e inclusão na educação.

* Andréia Aparecida Liberali Schorn, Pedagoga Mestre em Educação e Diretora da EMEF Sérgio Lopes