Giorgio Forgiarini: O triste desalento dos educadores no Brasil

Artigo publicado originalmente no Site Claudemir Pereira em 07/06/2025 – Link original

Na Audiência Pública realizada na Câmara de Vereadores em 21 de maio último, o depoimento de uma professora emocionou os presentes. Com 26 anos de magistério, revelou que pela primeira vez cogita abandonar a profissão. Emocionou, mas não chegou a surpreender. O desalento entre educadores está muito longe de ser fato isolado e é sinal da sistemática desvalorização da educação (e dos educadores) por parte, não apenas de governos, mas da própria sociedade.

Seus reflexos começam na questão remuneratória. Em 2008 foi aprovada uma lei que estabeleceu um piso para o vencimento básico do magistério. Um avanço, dirão alguns. Eu não comemoraria dessa forma. Leis só são úteis para solver um problema não espontaneamente resolvido pela própria sociedade. Assim, uma lei que estabelece um piso remuneratório só tem lugar quando se constata não haver disposição voluntária em remunerar profissionais de maneira condizente. E de fato, quanto aos professores, não há essa disposição.

Prova disso é que essa lei do piso, embora tenha trazido resultados imediatos interessantes, não interferiu no âmago da questão. Municípios e Estados de todo o país adequaram os vencimentos básicos dos professores para cumprir a lei do piso, mas suprimiram muitos outros benefícios que antes se incorporavam às remunerações. Foi o que fez o Estado do Rio Grande do Sul. Promoções, progressões, gratificações e adicionais foram extintos. Na prática, o que se viu foi um nivelamento por baixo. Boa parte do professorado da rede pública experimentou importante queda na sua renda. “Mas o piso está sendo cumprido”, dirá Eduardo Leite.

A coisa não melhora. Em 2020 foi aprovada Emenda Constitucional que revogou a obrigatoriedade de atualização anual do valor do piso do magistério. Desde então, pipocam ações judiciais de municípios que não querem ter de atualizar o vencimento de seus professores ano após ano. E estão ganhando. Para esses, o piso do magistério, que mesmo atualizado já seria baixo, está congelado há 5 anos.

No Brasil professores não apenas ganham menos, mas também trabalham mais e atendem mais alunos. De acordo com a OCDE, docentes brasileiros trabalharam 94 horas a mais que os professores dos países daquela organização em 2023. Ademais, enquanto professores da educação básica do Brasil trabalharam com uma média de 28,7 alunos por turma, os dos países da OCDE atenderam a uma média de 13 estudantes por sala de aula. A sobrecarga é inegável.

Mas o desânimo também tem causas oriundas da mudança na rotina escolar. Para economizar com professores, estados e municípios lançam mão de paliativos caros. Empresas e fundações (supostamente) sem fins lucrativos são contratadas a peso de ouro para disponibilizar apostilas, resumos, vídeo-aulas e até programas de “aceleração de aprendizagem” que, ao invés de ajudar, acabam por tolher a autonomia do professor. De protagonista, passa a ser um reles coadjuvante, um transmissor de informações. A frustração é inevitável.

E o descaso vira violência. Episódios de agressão física, verbal e moral contra professores deixaram de ser atípicos. Estudo realizado pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo traz a informação de que metade dos professores já sofreu algum tipo de agressão em serviço, 70% perceberam ascensão da violência em ambiente escolar nos últimos anos e 80% já cogitaram deixar a carreira.

Mas se engana quem pensa que a violência contra professores parte só dos alunos. Pais, responsáveis e até o Poder Público também a praticam sem muita culpa. A desinformação, o extremismo e o imaginário de que “professores são inimigos da família” têm papel importante nisso. Gravadores e escutas vêm sendo plantados por pais nas mochilas dos filhos, com o não velado objetivo de “pegar os professores no flagra”. Com isso, coisas pequenas como uma frase mal colocada, uma chamada de atenção mais ríspida ou até um ensinamento que não condiga com os “valores professados em casa” passam a ser motivo para abaixo-assinados, manifestações histéricas, reclamações na ouvidoria e até boletins de ocorrência.

O cenário não é alvissareiro. Entre os jovens, há desinteresse. Entre os velhos, o já mencionado desalento. Há solução? Sim. Não sem antes brigar com os fiscalistas de plantão. Os mesmos que berram “não existir almoço grátis” precisam ser convencidos de que não se faz educação sem pôr a mão no bolso. Só com amor não dá. Mesmo que haja muito amor envolvido. E há. Como há!

(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.