Sedufsm: Por que o governo quer acabar com a estabilidade no serviço público?

Ao longo dos últimos meses observamos vários (as) servidores (as) públicos (as) concursados (as) fazendo críticas e até denúncias de ações lesivas do governo federal, seja na área da saúde ou na de meio ambiente. Caso já estivessem em vigor os efeitos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, da Reforma Administrativa, que restringe a estabilidade a poucos setores, essas manifestações teriam vindo a público? Fizemos essa pergunta para algumas dirigentes sindicais (e um dirigente), para um cientista político e também para uma advogada. É unânime o entendimento de que sem estabilidade, o que favoreceria a rotatividade nos serviços públicos, e o possível apadrinhamento, a transparência e a moralidade é que perderiam.

Para a secretária-geral da Sedufsm, professora Marcia Morschbacher, sem estabilidade, os servidores estariam à mercê das mais diversas arbitrariedades dos governos do momento. “Também estariam sob constante ameaças à perseguição, denúncias e penalizações, incluindo demissão, caso não viessem a atuar de acordo com as ordens do governo de plantão ou mesmo se denunciassem ações ilícitas”.

Visão similar possui a professora Juliana Moreira, coordenadora de Finanças do Sindicato dos Professores Municipais (Sinprosm). Segundo ela, sem a estabilidade, possivelmente esse tipo de manifestação e de denúncia de servidores não ocorreria. “A estabilidade do funcionalismo público, além de ser assegurada na Constituição Federal, traz a garantia de que o funcionário, seja ele de qual esfera for, possa desenvolver o seu trabalho livre de pressões políticas, sustentando o princípio da impessoalidade que deve estar presente na administração pública”, argumenta a docente.

Djenne Ribeiro, diretora do 2º Núcleo do Cpers/Sindicato (Santa Maria), também entende que, sem a estabilidade, esse tipo de postura de funcionários públicos não ocorreria. “Dentro do serviço público, mesmo sendo estáveis, alguns servidores sofrem pressão, assédio, para não denunciar certas situações. Então, imagina, sem estabilidade, não teriam tido (e nem terão, futuramente) suporte para denunciar qualquer tipo de irregularidade”, diz ela.

Eloiz Cristino, que faz parte da coordenação de Formação Política e Sindical da Assufsm, e também é membro da CUT Regional Centro, avalia que “a estabilidade garante a servidoras e servidores posicionamentos, de ordem política, de livre expressão, graças à legislação existente, que assegura direitos e deveres. Essas denúncias certamente diminuiriam sem a estabilidade”, comenta ele.

Perda de cargo simplificada: um risco

A advogada Renata Venturini, da assessoria Wagner Advogados Associados, acredita que, “embora seja possível supor que um servidor público não estável venha a se opor, mediante denúncia, a situações em que há flagrante desrespeito à finalidade primeira do Estado, que é o bem comum, a realidade é que esse cenário é pouco provável quando a perda do cargo de forma simplificada se fizer possível”. Na avaliação dela, “a tendência é de que, entre correr o risco de perder o sustento próprio e familiar para promover uma denúncia – que pode ser infrutífera a depender da conjuntura política ou cuja veracidade demore a ser comprovada judicialmente – é abster-se a fim de garantir a subsistência, especialmente em época de crise financeira”.

O cientista político, Dejalma Cremonese, professor do departamento de Ciências Sociais da UFSM, crava uma certeza: “Se esses servidores (que fizeram denúncias contra membros do governo) não fizessem parte do plano de carreira de suas respectivas repartições públicas, com estabilidade garantida, jamais denunciariam qualquer crime”.

Interesses por trás da reforma

Qual o interesse do governo em fazer uma “reforma” que acaba com a estabilidade? A resposta a essa pergunta, diz Renata Venturini, passa, necessariamente, pela compreensão de que “a estabilidade que é garantida pela Constituição Federal aos servidores públicos não é um privilégio porque, em realidade, não impede a demissão daqueles que não cumprirem com os seus deveres funcionais”.

Para a advogada, “considerando a finalidade para a qual a garantia da estabilidade existe, a conclusão lógica é a de que a simplificação do processo de demissão, que será regulamentado por lei, representa o interesse de institucionalizar a censura prévia, assim como a perseguição e a responsabilização disciplinar daqueles que não se alinharem com o projeto político-ideológico”, o que, segundo ela, já pode ser observado em diversas instituições públicas.

No mesmo sentido vai a análise do professor de Ciência Política da UFSM, Dejalma Cremonese. Na opinião dele, “a proposta da PEC/32/2020, se aprovada, abre caminho para criação de cargos e outras formas de contratações que, além de extinguir os concursos públicos, possibilita aos governos de plantão indicar, única e exclusivamente, nomeações baseadas em critérios político-partidários, ou seja, colocando na administração milhares de correligionários e apadrinhados”. Segundo ele, “apenas cerca de 5.500 vagas podem ser ocupadas por servidores não efetivos. Se a PEC passar, o número de cargos passará para mais de 85 mil”.

Destruir os serviços públicos

Márcia Morschbacher, diretora da Sedufsm, entende que o objetivo maior da PEC da Reforma Administrativa é destruir os serviços públicos. “E destruir o serviço público também passa por atacar os servidores, a exemplo do fim da estabilidade no serviço público, da criação de diferentes vínculos dos servidores, da precarização do vínculo e das condições de trabalho, da redução de salários, entre outros aspectos”. E complementa: “é uma reforma nefasta, que vai acabar com os serviços públicos tal como os conhecemos atualmente. O principal interesse (do governo Bolsonaro) é reduzir o Estado no provimento dos direitos sociais garantidos pelos serviços públicos e ampliar a atuação do setor privado. Instituir o Estado mínimo para o povo e máximo para o capital”, sentencia ela.

“Está claro que o interesse em fazer essa reforma é ter ferramentas para perseguir os funcionários, precarizar ainda mais o serviço. No final das contas haverá uma alta rotatividade”, diz a dirigente do 2º Núcleo do Cpers Sindicato, Djenne Ribeiro. Por isso, diz ela, quando a gente briga pela defesa do concurso público é também pela transparência do processo. “Um governo (como o atual) que não age de forma honesta, objetiva (com a reforma) buscar mais uma ferramenta para fraudes e precarização do serviço público”. A sindicalista conclui afirmando que “fica claro que a pessoa que for colocada no serviço público, sem concurso, vai estar lá, basicamente, para atender seus interesses pessoais ou o interesse de quem a nomeou”.

Para a coordenadora de Finanças do Sinprosm, Juliana Moreira, o fim da estabilidade previsto na reforma administrativa tem um “caráter tendencioso”. Isso porque, segundo ela, fica fácil de entender que um funcionário (público) jamais terá condições de realizar o seu trabalho de forma impessoal se estiver sob o risco de pressões e de ser demitido. “Na minha opinião, isso amplia o risco de casos de corrupção dentro da esfera pública”, ressalta a docente.

Eloiz Cristino, da Assufsm e também da CUT Regional Centro, acredita que a intenção do governo com a PEC 32 e o fim da estabilidade é “injustificável”. Para ele, o governo afirma que o Estado custa muito, mas entrega pouco. Que precisa de modernização, racionalidade e eficiência para aproximar o serviço público da realidade do país. Entretanto, analisa Eloiz, mudanças como o fim do regime jurídico, a modificação da forma de ingresso, novos vínculos e o fim da estabilidade, nada tem a ver com a “boa intenção” do governo. Essas mudanças, segundo ele, acabam é por fortalece o “coronelismo e o apadrinhamento político”.

As consequências dessas medidas propostas, conforme o sindicalista, como por exemplo, a extinção de direitos e vantagens, a redução das carreiras, atingirão os serviços públicos prestados à população mais vulnerável, pois haverá uma diminuição no interesse de ingresso de novos servidores e a qualidade dos serviços sofrerá drasticamente.

Nova configuração do Estado brasileiro

As mudanças na “constituição cidadã” de 1988 através da PEC 32, com o fim da estabilidade para a maioria das carreiras, pode ter que tipo de impacto para o Estado brasileiro?

Na análise da advogada Renata Venturini, propor “um escopo maior de transformação de Estado” a partir da mudança do serviço público que “custa muito, mas entrega pouco” é a justificativa central do governo Bolsonaro para promover uma Reforma Administrativa. O combate a privilégios está declarado na exposição de motivos que acompanha a PEC 32/2020. Contudo, acrescenta Renata, se pode observar que “o combate aos privilégios não passa de um slogan e as alterações que foram propostas, embora iniciais porque a reforma da Constituição Federal é apenas a primeira fase de um total de três, promovem verdadeiro desmonte do estado de bem-estar social delineado pela Assembleia Constituinte de 1988”.

Na percepção da advogada, especificamente sobre o fim da estabilidade, pode-se apontar a “diminuição de denúncias de irregularidades ante o risco de demissão, o que caracteriza uma censura prévia e a propensão ao aumento de pressões político-ideológicas”. Renata pondera que “não se pode ignorar, também, a perda da unidade e do poder de resistência dos servidores públicos em razão da sua divisão entre aqueles que farão jus à estabilidade – os servidores atuais e os que vierem a ocupar os cargos típicos de Estado – e todos os demais, que não farão jus à garantia”.

Para a secretária-geral da Sedufsm, Márcia Morschbacher, é inegável que estamos diante da ameaça de reconfiguração política e jurídica do Estado brasileiro. “Este processo de reconfiguração tem vindo em ‘conta gotas’, pelas sucessivas reformas, como as que foram realizadas no governo Temer e recentemente com Bolsonaro”, frisa ela. “E a reforma administrativa é a continuidade disso”, complementa. Marcia acredita que a PEC 32 “retirará do Estado atribuições fundamentais no atendimento à população, garantidas pelas Constituição, entregando-as para a iniciativa privada, como saúde e educação. É o ajuste do marco legal e do Estado ao setor privado, que visa ao lucro antes da qualidade dos serviços à população”.

Pressão aos (às) parlamentares

A PEC 32, atualmente, tramita em Comissão Especial na Câmara dos Deputados. É essencial que a sociedade demonstre aos(às) parlamentares sua insatisfação com relação à proposta, pressionando-os(as) ou sensibilizando-os(as) para que votem NÃO à Reforma.

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